Intervenção de Miguel Viegas na segunda sessão da Assembleia Municipal de 20 de Abril de 2012Miguel Viegas, eleito do PCP na Assembleia Municipal

Relatório e Contas do ano 2011

Olhando para as contas de 2011, parece-me que o aspecto mais relevante esteja no simples facto da Câmara ter gasto menos dinheiro em 2011, relativamente a 2010. Comparando a despesa total de 2011 com a de 2010, verificamos que houve uma quebra em termos nominais de 3,4%. E se tivermos em conta a inflação, que em 2011 foi de 3,7% de acordo com o INE, isto significa que a quebra em termos reais foi de 7,1%. Se juntarmos o fim do PIDDAC cuja execução de 2011 foi nula, facilmente se compreende o cerne da crise económica em que nos encontramos.

 

Este é naturalmente o retrato de um pais em plena recessão agravada por medidas que apenas juntam crise à crise em vez de combatê-la. Este governo PSD CDS está de facto a levar o nosso pais para uma situação absolutamente calamitosa. E nem os exemplos que nos chegam da Grécia, nem os inúmeros alertas de personalidades dos mais variados quadrantes sociais, políticos a académicos, consegue demover este governo do seu rumo suicida de ruína nacional.

 

Olhando agora mais de perto para o documento, começo por relevar uma melhoria, ainda que muita ligeira da sua taxa de execução, que passa dos 56% para os 58%. Naturalmente que para esta melhoria muito terá contribuído a aprovação de um orçamento para 2011 com uma redução de 5 milhões de euros relativamente a 2011, aproximando-o assim um pouco da realidade. Valeram portanto a pena as críticas reiteradas nesta assembleia. Relembre-se que orçamento de 2012, aprovado por esta Assembleia baixou ainda mais a fasquia, para os 49 Milhões de euros. Ou seja uma redução superior a 10 milhões de euros em dois anos.

 

Um segundo aspecto que caracteriza este relatório está na confirmação de um orçamento que, por um lado é cada vez mais suportado no esforço dos munícipes, e por outro depende também de rubricas cuja realização é cada vez mais incerta. Temos assim uma diminuição do peso relativo das transferências do orçamento de estado, na razão inversa da importância dos impostos directos que reforçam a sua posição de rubrica mais importante no capítulo das receitas perante o afundamento das transferências do estado. As transferências de capital assumiram um papel mais importante, representando 17% do total das receitas para o qual muito terá contribuído uma melhoria na captação de fundos estruturais da União Europeia.

 

Esta constatação leva-me ao terceiro elemento marcante deste orçamento, que toma a forma de um aviso ou de uma preocupação. Tal como os fundos estruturais, outras receitas deste orçamento não auguram nada de bom para o futuro, seja pela incerteza da sua realização seja pelo seu fim puro e simples. Refira-se desde logo as transferências de capital da Adra e da empresa Aguas Douro e Paiva, que no seu conjunto representaram em 2011 um encaixe de 4,5 milhões de euros. Em 2012, a Câmara de Ovar irá ainda receber destas duas concessões cerca de 3 milhões de euros, mas este será o último ano, ou seja uma quebra equivalente a cerca de 14% da despesa total do município.

 

Finalmente um último aspecto geral antes de passar a algumas questões de pormenor. Contrariamente às contas de 2010 onde deram passos importantes no quadro da contabilização de custos, parece-me que se andou para traz com este relatório. Com a criação do POCAL, em 2002, criaram-se condições para a formulação de um modelo de contabilidade de custos que constitua um instrumento fundamental de apoio à gestão das autarquias. Aliás, a contabilidade de custos é obrigatória de acordo com o POCAL Dizemos bem, criou as condições porque o modelo este tem que ser construído, partindo entre outros aspectos de uma verdadeira segregação funcional do município, contemplando primeiro as funções gerais, sociais, económicas e outras e depois desagregando posteriormente estas de acordo com os vários domínios contemplados na legislação: equipamentos energia, transporte e comunicações, educação, património e cultura, tempos livres e desporto, saúde, acção social, habitação, protecção civil, ordenamento do território e urbanismo. Os objectivos da contabilidade de custos, em termos genéricos consistem na elaboração de informação para análise e controlo de gestão, com indicadores de eficácia relativos ao alcance dos objectivos planeados e eficiência na utilização de recursos. Os mapas deveriam em princípio reflectir a demonstração dos custos por funções, a análise de desvios por funções face aos objectivos traçados e o custo unitário dos bens e serviços produzidos. É este o controlo de gestão, ou contabilidade analítica. Esta informação deveria ser publicitada e acessível a todos os cidadãos que queiram analisar e questionar. Alem de se destinar a munícipes e diversas entidades públicas e não públicas, deveria ser também uma boa ferramenta de apoio à gestão.

 

É pena que a abordagem que esta câmara faz deste questão esteja fundamentalmente baseada num tratamento administrativo e burocrático mais preocupado com o controlo da legalidade do que em conseguir uma gestão mais eficiente e eficaz. O que nos apresentada em este ano como contabilidade de custos constitui apenas o mínimo dos mínimos, havendo ainda assim recuos face ao relatório e contas de 2010, particularmente ao nível da desagregação das funções educativas. Julgo que se deveria ir muita mais alem face ao exposto e comparando as escassas duas páginas que o relatório dedica a esta matéria, sendo que uma delas é apenas cópia da legislação.

 

Termino com apenas um aspecto do relatório que gostaria se possível de ver esclarecido. Um aspecto que tem a ver com os dividendos recebidos por conta da participação da Câmara Municipal do capital de diversas empresas, nomeadamente da Adra, da Ersuc e da Águas Douro e Paiva. Ignoro as contas desta última que infelizmente não estão disponíveis no seu site. Quanto à Ersuc, devo informar que a empresa apresentou um lucro líquido de 1,2 milhões de euros em 2010 com reflexos nos dividendos recebidos pela Câmara de Ovar em 2011, e que estes lucros praticamente duplicaram em 2012 com um resultado líquido de 2,1 Milhões de euros. Razão temos nós quando criticamos as taxas exorbitantes cobradas pela Ersuc à Câmara, ainda por cima por um serviço que deixa muito a desejar. Finalmente, e relativamente à Adra fico perplexo, assumindo que se o nome desta empresa está referido na conta de proveitos e ganhos financeiros cujo valor total de 45 mil euros respeitante aos rendimentos de participação de capital não se encontra desagregado. De acordo com o relatório e contas de 2010, onde deveriam constar os lucros distribuídos aos accionistas em 2011, a Adra apresenta o prejuízo operacional superior a 2,5 Milhões de euros. É verdade, 2,5 Milhões de euros! Mas neste pais, as regras como é sabido são fitas para os accionistas, neste caso públicos e privados. E como tive oportunidade de denunciar oportunamente, o contrato de gestão é muito simples. Os capitais tem de ser remunerados a uma taxa na ordem dos 7%. Isto quer dizer que os proveitos têm de cobrir todas as despesas para sobrar ainda o suficiente para alimentar o lucro dos accionistas. E já agora refira-se que nestes custos, estão os salários milionários dos dois administradores executivos, cada um com um orçamento mensal de 4500 euros mais viatura, telemóvel etc. Mas como isto é tudo fictício, os proveitos não chegam e entra em jogo o desvio tarifário que há de ser pago mais tarde, adivinham por quem? E nos entretanto, a Câmara de Ovar recebe dividendos, sobre um lucro completamente fantasioso, mas que gera endividamento, implicando custos que não deixaram de ser imputados às famílias mais tarde ou mais cedo. Esta é também a história do nosso pais. E depois venha, ministros com ar doutoral a dizer que os portugueses vivem acima das suas posses.

 

Ovar, 23 de Abril de 2012

Miguel Viegas