Exmos. Senhores autarcas,
Entidades aqui representadas,
Minhas senhoras e meus senhores,
Quatro décadas passaram desde o dia inicial, inteiro e limpo, nas palavras da poetisa, e que tão bem expressam a profunda alegria, a luminosidade, a esperança e a força com que o povo português emergiu naquela madrugada sem igual na história de Portugal.
Essa manhã não terminava uma noite qualquer. Terminava a noite mais longa e violenta, a noite fascista que por 48 anos encobriu Portugal no atraso, na miséria, no medo e na guerra.
Da noite emergia um país paupérrimo, dos mais atrasados da europa, onde os grandes oligopólios dominavam a economia nacional, contando para isso com um Estado fascista serventuário dos seus interesses, praticante de uma política de austeridade que mantinha os rendimentos dos portugueses na sua mínima expressão, estagnando a economia nacional. Contava com um aparato policial que vigiava, reprimia, torturava e matava. Os salários eram miseráveis; milhares de jovens eram obrigados a emigrar para terras longínquas privando o país da sua força de trabalho e das suas capacidades, enquanto outros milhares combatiam uma guerra odiosa do outro lado do mar. A doutrina fascista sugava a força do país. Um Portugal que não era dos portugueses, mas dos seus donos de então: o grande capital.
Nunca nestes 48 anos a resistência cessou. Do operário grevista ao militante comunista, do resistente anti-fascista ao sindicalista, o certo é que a resistência foi muito mais além do Partido Comunista, única organização que resistiu por quase meio século à ofensiva fascista. Foi levada a cabo por gerações e gerações de antifascistas, patriotas e democratas que com inigualável generosidade pagaram com, sangue, suor e lágrimas, e muitas vezes com a própria vida, a insubmissão.
Mas o capitalismo e o fascismo trazem em si a génese da sua própria destruição. E se a injustiça de uma guerra semeou nos militares de Abril a revolta, ao mesmo tempo a miséria e a exploração foram semeando no povo português a inevitabilidade da mudança revolucionária.
Abril foi heroísmo. Heroísmo pelo levantamento militar dos capitães de Abril numa noite onde tudo poderia acontecer. Heroísmo de todos aqueles que nesse mesmo dia, ao aderir de forma massiva, consolidaram o êxito daquele primeiro dia de revolução. Heroísmo do povo português que nos anos seguintes ousou construir a utopia. Nunca o país avançou tanto como ao longo dos seguintes anos, particularmente no período até ao contra-golpe de 25 de Novembro. O salário mínimo nacional foi uma realidade, assim como o direito a férias, o direito à pensão social, a protecção contra o despedimento, a protecção na maternidade, a garantia do direito à greve.
É um facto económico irrefutável que em tempo algum da história do nosso país teve uma tão justa distribuição da riqueza como nos anos que se seguiram à Revolução, com as quotas salariais mais altas de sempre. Os sectores estratégicos da economia - como o sector financeiro, transportes e telecomunicações - foram nacionalizados, contanto para isso com forte adesão e participação activa e abnegada dos seus trabalhadores, interessados em colocá-los ao serviço do povo português. A reforma agrária avançou alavancada na valentia dos camponeses, disponibilizando a terra a quem a trabalha.
A saúde deixou de ser um privilégio para alguns e uma caridade para outros. Passou a ser um direito inalienável para todos. A educação democratizou-se; não eram agora apenas os filhos dos “doutores” que teriam acesso à educação, mas também o filho do operário, do mineiro, do camponês. Os meios de comunicação social que durante décadas sufocaram os portugueses na mentira e na ideologia fascista foram saneados, e emergiu a imprensa livre. O Poder Local Democrático substituiu o velho esquema de nomeação de caciques da confiança do governo, passando o povo a poder eleger e a ser eleito. Os partidos políticos foram legalizados ao mesmo tempo que se conquistava a liberdade de reunião, de expressão e de manifestação.
Conquistámos o mais belo, mais avançado e mais progressista texto constitucional que Portugal alguma vez teve, e um dos mais avançados do mundo: a Constituição de 1976.
Importa dizer que nenhuma destas medidas foi uma dádiva gratuita, nenhuma destas medidas foi uma bênção oferecida por qualquer mente superior do processo revolucionário. Cada um dos direitos, das conquistas de Abril foi conquistado a punho, ombro a ombro, através da luta colectiva.
Daqui honro todos aqueles que, aqui presentes, participaram neste extraordinário feito colectivo.
Daqui honro todos aqueles que continuaram e continuam, nos dias de hoje, a defender as conquistas e os valores de Abril.
E se gerações de portugueses prepararam Abril com a sua resistência, e outras tantas o concretizaram através da luta, que fique claro que muitíssimas mais estarão aqui para o defender.
Abril não foi a revolução perfeita. Como qualquer Revolução, constrói-se aprimora-se todos os dias. E de igual forma é dever de todos os democratas defendê-la. Todos os dias.
É que nunca neste processo o capital se absteve de boicotar a revolução. A contra-revolução afirmou-se lentamente, insidiosamente, e paulatinamente, tendo vindo a ocupar grande parte das posições perdidas, com especial agravamento nos últimos 3 anos.
E 4 décadas passadas, eis-nos comemorando as Revolução de Abril na dramática situação em que estamos.
Pois independentemente das diversas expectativas que guiam a vida de cada um de nós, ninguém, ninguém poderá afirmar que terá o Portugal de hoje foi o Portugal sonhado e construído. E não só não o é, como segue hoje na direcção diametralmente oposta.
O Portugal da miséria onde a fome reaparece em cada lar, em cada escola. O Portugal dos baixos salários e do desemprego que suga a vida, a motivação e a esperança a milhares de seres humanos. O Portugal onde a riqueza, as grandes empresas lucrativas, voltam para as mãos dos grandes grupos económicos. O Portugal de novo austeritário, que reduz os rendimentos de quem trabalha à sua mínima expressão enquanto o grande capital acumula - mesmo em tempos de crise económica! - lucros fabulosos. O Portugal onde se volta a trabalhar apenas para comer. O Portugal onde há quem não possa nem trabalhar, nem possa comer. O Portugal onde a caridade e a sopa dos pobres substituiu a solidariedade do Estado Social. O Portugal onde milhares de famílias que assistem, sem nada poderem fazer, à fuga dos seus jovens que procuram a felicidade noutras terras, fuga estimulada por um governo que manifestamente desistiu de Portugal.
Não imaginaram, aqueles que participaram na construção do Portugal de Abril, que em 2014 o governo garantiria a sua eleição com o recurso à mentira e à manipulação. Um governo tão subserviente perante os interesses do grande capital monopolista que mesmo derrotado politicamente, contestado massivamente e em total isolamento social, não hesita em violar repetidamente a Constituição de Abril para atingir os seus propósitos. Um governo que pauta a sua intervenção pelo achincalhamento dos funcionários públicos, dos professores, dos trabalhadores. Um governo que não tem pejo em extorquir quem já não se pode defender, como pensionistas que descontaram uma vida inteira. Um governo que retira direitos à infância, à juventude, aos idosos.
Um governo que desferiu uma ofensiva sem precedentes contra o Poder Local Democrático, destruindo milhares de freguesias por esse país fora, incluindo no nosso concelho, e atacando o seu carácter colegial e democrático. Um governo que desfere a maior ofensiva de sempre contra o Serviço Nacional de Saúde, encerrando hospitais e serviços, precarizando trabalhadores da saúde, racionando medicamentos, impondo taxas que são autênticas barreiras para a maioria da população. Enfim, criando uma saúde a duas velocidades: uma para quem a pode pagar, outra para quem tem de esperar. Um governo que quer reduzir a escola pública, democrática e para todos, formadora de cidadãos com pensamento crítico, a meros locais onde apenas se dever ler, escrever e contar.
Não imaginaram que a soberania nacional seria espezinhada por um Pacto de Agressão ilegítimo com uma troika estrangeira, que afoga o país em juros e o condena ao subdesenvolvimento e à dependência estrangeira o tempo de uma vida.
Sonharam com um Portugal onde o povo fosse soberano para decidir o seu futuro.
Sonharam uma democracia plena nas suas vertentes económica, social, cultural e política. Uma democracia que corresponde à origem etimológica do termo: o poder do povo e para o povo, em benefício do povo.
Mas se a história pertence a um povo que resiste, haverá sempre quem resista, haverá sempre alguém que dirá «não»; são e serão cada vez mais aqueles que engrossam a torrente de luta e esperança que acabará por cercar aqueles que asfixiam Abril.
Muitos quererão comemorar esta data apenas evocando-a como uma data "bonita", mas passada. Nós daqui afirmamos: comemoremos Abril a sério, colocando mãos à obra pela sua concretização, pela afirmação dos valores de Abril no futuro do nosso país.
Porque Portugal não está condenado nem ao fracasso, nem à miséria, nem à perda de soberania. Porque Portugal voltará a ser a terra da liberdade. A terra da fraternidade. Dos rostos da igualdade. Onde é o povo quem mais ordena.
Nestes 40 anos, hoje e sempre, não as deixaremos fechar; reabriremos de par em par, as portas que Abril abriu.
Viva o 25 de Abril!