Índice:
» 2.3 - Adesão à AdRA
» Declaração de voto
Adesão à AdRA
A posição do PCP é sobejamente conhecida. Não vamos repetir toda a argumentação. Vamos apenas procurar centrar a nossa intervenção em aspectos mais específicos dos documentos que nos merecem ainda algumas dúvidas e concluir para uma abordagem mais geral que faça a síntese do nosso pensamento acerca desta matéria e marque o fundamental das nossas divergências.
Relativamente aos documentos são sensivelmente os mesmos que estiveram nesta Assembleia no ano passado no quadro da criação de todo o sistema. Há contudo algumas modificações que são bem vindas muito embora me mereçam algumas reservas na forma como foram feitas.
No que toca aos documentos e particularmente nos anexos técnicos, continuo a achar que os 700 mil euros para conservação de toda a rede de água me parecem muito insuficiente para os 520 Km de rede aos quais teremos que juntar as 18 estações, os 11 reservatórios e respectivas condutas. Quanto à questão do saneamento, e continuando nos anexos técnicos, registo que, contrariamente ao documento inicial que foi entregue aos deputados no ano passado o mesmo contempla desta vez Gondozende, Zona Industrial e a Ponte Nova. Devo contudo estranhar um pouco a forma como estas localidades foram contempladas porque a verdade é que esta afectação deixa rigorosamente igual o montante a investir assim como os km de rede. Fica a sensação de que houve apenas aqui uma certa maquilhagem do documento para poder ser mais apresentável. Juntam-se 14 Km de rede no sistema de Esmoriz Cortegaça para incluir Gondozende, juntam-se mais 10 km para a Zona Industrial e para a Ponte Nova, e depois faz-se um rateio em todos os outros sistemas mas deixando lá todas as localidades contempladas. Fica a dúvida se na altura do primeiro documento as medidas estavam erradas e foram corrigidas. Ou estavam certas e passaram a estar erradas. Ou se ainda o concelho está a encolher, o que contraria toda a ciência segundo a qual, graças às observações de Hubble em 1924, o universo está em expansão com as galáxias afastando-se umas das outras.
Mas analisemos a questão no seu todo. O concelho tem neste momento cerca de 520 km de rede de água e 237 Km de rede de saneamento. Isto dá-nos um pouco a dimensão do trabalho que temos pela frente em matéria de saneamento. A Câmara reconhece o seu fracasso por não ter sido capaz de construir a rede de saneamento ao longo das últimas décadas, à semelhança do que fizeram dezenas de concelhos por este país fora. Claro que é mais fácil construir estátuas e pontes, inauguradas à luz do dia, muitas vezes em vésperas de eleições. Passam-se os anos, e claro a rede de saneamento não cresce do nada e como tal, aqui estamos hoje em pleno século XXI a ver aquelas estatísticas que nos dizem haver no mundo mais de 2,6 mil milhões de pessoas sem saneamento. Isto passa-se no continente Africano, na Índia e no Bangladesh, nas extensas favelas que caracterizam as grandes cidades da América latina, e passa-se também em Ovar, em plena Europa desenvolvida. E agora por falta de vontade política desta Câmara não há no orçamento municipal um milhão e meio de euros a investir por ano em saneamento, soma esta que corresponde ao que a AdRA vai investir nos próximos dez anos, são pouco mais de 17 milhões de euros. Está escrito. Já agora creio não me enganar mas não existe nos investimentos para os próximos dez anos, nenhum valor relativo à conservação da rede de saneamento, pelo que, por aqui se vê também a fragilidade deste documento.
Reconhecemos que a construção deste tipo de equipamentos implica avultadas somas de capitais. Não é por acaso que cabe ao sector público o financiamento destas infra-estruturas na esmagadora maioria dos países. O sector público seja através do governo central, seja através das regiões onde elas existem seja através das autarquias locais, pela sua natureza tem melhores condições para captar os financiamentos necessários à realização deste tipo de investimento. Nesta medida não nos parece absurda a ideia de juntar forças com outros municípios visando a realização destes investimentos. O que criticamos e não aceitamos é que todo este sistema se destine à construção de todo um equipamento, para no final ser entregue de mãos beijadas a qualquer operador privado que, em regime de monopólio, irá gerar lucros avultados à custa dos consumidores. Este é o desenho. Basta ler os documentos políticos e legislativos que suportam este sistema, a basta ver o que está a acontecer em outros concelho deste pais, mas também em muitas regiões de ouros países na Europa e fora dela.
É o próprio PEAASAR que diz:
“É fundamental que o modelo de organização do sector:
...Obedeça às normas da concorrência...
...promova o investimento privado no sector e o desenvolvimento do tecido empresarial...;
Ou ainda mais adiante:
No modelo agora proposto, o Estado admite a incorporação dos activos da "baixa" das Autarquias nas concessionárias dos sistemas multimunicipais, (...) tendo em vista a realização dos investimentos em falta.
No que concerne à gestão das "baixas" assim integradas, considera-se adequado o recurso à figura da concessão de serviço público, ou affermage, mediante concurso público internacional.
Este regime de concessão está aliás no próprio Decreto-Lei 90/2009 que regula a parceria: que diz expressamente no seu artigo 6º, ponto 4, e passo a citar:
4 — Desde que autorizada pelo contrato de gestão e nas condições nele estabelecidas, a entidade gestora dos sistemas municipais de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos sólidos urbanos pode:
a) Subcontratar, mediante celebração de contratos de prestação de serviços, as actividades de operação, manutenção e conservação de infra -estruturas e equipamentos, atendimento e assistência aos utilizadores dos serviços;
b) Conceder a gestão ou execução de parte dos serviços de cuja gestão está incumbida.
Mas a própria privatização da AdRA também não está posta de parte senão como explicar que depois de uma parceria 100% pública entre as câmaras e a holding estatal, os próprios estatutos da AdRA afinal digam que apenas 51% do capital seja público. Quais a condições de reversão do contrato caso seja privatizada a empresa Águas de Portugal, cujo processo de alienação foi já encetado com a venda da Aquapor que é já concessionária em tantos concelhos? É a comissão de parceria que nos vai salvar onde apenas tempos um elemento dos municípios contra uma das AgDP e outro independente nomeadamente pela entidade reguladora que por sua vez é nomeada pelo governo?
Sejamos sérios, o caminho vai direitinho para entregar o lombo aos interesses privados, limpinho e sem ossos. É a política do governo que se prepara para abandonar a sua posição em sector vitais para a nossa economia como é o caso da EDP, da GALP, da REN, da TAP, da ANA. É o Estado Mínimo Liberal do Partido Socialista que encostou as Câmara à parede impedindo-as mesmo quando associadas a concorrer aos financiamentos da união Europeia para construção de sistemas garantidamente públicos e sob total dependência dos municípios e das suas populações. Já agora, é bom que se saiba, e que esta Câmara assim como a bancada do Partido Socialista que continua sem perceber, de forma fingida ou não, o verdadeiro alcance desta políticas, que o Governo PS de José Sócrates já entregou a construção e exploração de 5 barragens portuguesas a empresas espanholas, designadamente a Iberdrola, que fica com 4 barragens no alto Tâmega e a Endesa. Isto quer dizer que durante os próximos 65 anos, no caso do sistema do Alto Tâmega, vão ser empresas privadas e estrangeiras a gerir dois bens fundamentais e de valor absolutamente estratégicos para a nossa economia: a água e a energia. Já agora, refira-se que a Iberdrola detém hoje cerca de 10% do capital da EDP onde por sua vez o Estado pretende alienar a sua posição que representa hoje, através da Parpública e da CGD cerca de 25% do capital social.
Sob uma capa da eficiência do mercado, onde domina a iniciativa privada com os seus modernos métodos de gestão empresarial, o que existe na prática é um chorudo negócio de milhões de retorno garantido à custo do erário público e de todos os consumidores. Uma concessão por 50 anos, feita sem qualquer critério, feita ao abrigo de um contrato de gestão que garante uma remuneração choruda de todos os capitais investidos a uma taxa mínima nunca inferior a 6-7%. Ou seja, vamos ver o preço do serviço quase duplicar, atingindo 2.83 euros (é o que está escrito quando a média em Ovar é de 1.66€ para 120 m3/ano) isto para garantir uma taxa leonina de remuneração dos capitais igual à taxa sem risco equivalente aos títulos do tesouro acrescido de um spread de 3%, quando não existe neste negócio qualquer risco. Se a tarifa não chegar, recorre-se à figura do desvio tarifário, pois os capitalistas deste país não se contentam com um juro de 2,3% que corresponde à remuneração das poupanças de um cidadão normal. Querem mais, com todos nós a pagar.
Com este negócio, não são só as tarifas que sobem. É também um direito fundamental que fica em causa, o direito à água, cuja única garantia reside na sua manutenção em mãos públicas, fora na lógica mercantil do mercado. Este é o risco fundamental e para aí apontam todas as evidências conforme e ficou aqui amplamente demonstrado. Termino citando um exemplo que nos chega de Paris, capital francesa onde a respectiva Câmara pôs termo a uma concessão que durava há 25 anos e estava garantida por duas empresas multinacionais. A câmara de Paris, em 2009 renacionalizou a distribuição de água, como a melhor de, e passo a citar (quem quiser ver com os seus próprios olhos que vá ao site da Câmara), "garantir um serviço universal de qualidade e acabar com 25 anos de subidas constantes das tarifas".
Esperemos que em Ovar tenhamos capacidade de aprender com as experiências alheias.
Disse.
Declaração de voto
O PCP tudo fez para alterar o rumo dos acontecimentos relativamente a esta matéria. Estamos portanto de consciência tranquila. Não nos limitamos a trabalhar no quadro estreito desta Assembleia. Fomos ao encontro da população. Distribuímos milhares de documentos com a nossa posição. Estivemos na rua, nos mercados e também na internet onde recolhemos assinaturas através de uma petição que será entregue a esta Assembleia nos próximos dias. Organizámos um debate público sobre o tema no qual demos a conhecer a nossa posição e ouvimos também outras opiniões. O nosso dever está por isso cumprido, mas a luta por uma água pública vai continuar, sem cedências. Por isso, vamos continuar atentos e caso se confirmem os nossos receios, cá estaremos para confrontar politicamente todos quanto contribuíram para esta solução profundamente nefasta para o concelho e para a sua população.
Disse.